Admirável mundo velho
Nas últimas semanas, o que mais tenho ouvido em reuniões obrigatoriamente online, tem sido: “Vivemos um momento único. Um novo mundo está surgindo e o velho mundo não existirá mais”.
A pandemia mundial do COVID-19, que ceifa vidas de nossos entes queridos e nos assusta, nos colocou em uma posição de resguardo e nos fez repensar muitas coisas. Entre elas, o uso das tecnologias como únicas aliadas para mantermos ativas as relações comerciais e matar a saudade, nas relações pessoais. De repente, vimos nossos pais, avós, tios, amigos, colegas de trabalho, profissionais de alto gabarito, totalmente avessos à tecnologia, usando e abusando dos smartphones e seus App’s, como se, num passe de mágica, pulássemos de um velho oeste direto para um fascinante planeta futurista. Agora, em confinamento, no reduto domiciliar, como homens primitivos entocados em suas cavernas tecnológicas, estamos todos conectados e online, encantados pelas facilidades que essas ferramentas nos oferecem.
Engana-se porém, quem acha que este é um Mundo Novo e que o Velho, já não existirá mais.
No romance Admirável Mundo Novo, Bernard Marx revolta-se com o mundo extremamente tecnológico em que vivia, viaja para uma reserva primitiva – uma espécie de reserva indígena – e, juntamente com Linda e seu filho John, o Selvagem, tentam ser um “modelo” para a sociedade moderna, fria e calculista. Evidentemente, essa sociedade moderna os rejeita, por representarem ameaça à ordem e a estabilidade de um mundo essencialmente científico e futurista. Há uma luta entre a velha e nova sociedade, onde velhos costumes insistem sobreviver num mundo que já não os aceitam mais.
No entanto, a reflexão a que me proponho, é provocativa: não são os velhos costumes que resistem ao que há de novo. Não há o novo.
Bem-vindo ao velho mundo, meu amigo.
Sim, porque, de novo, não tem absolutamente nada. Temos à nossa total disposição, ferramentas que já podem ser consideradas velhas, devido à velocidade desta revolução tecnológica que vivemos. A maioria de tudo o que temos disponível e estamos usando hoje, já existe há mais de 10 anos. Duvida? Se não, vejamos:
SMS: existe há 28 anos. Textos e mensagens podem ser enviados pelo celular desde 1992.
E-mail gratuito: 24 anos. O Hotmail foi o 1º e-mail gratuito, criado em 1996.
Scanner: 24 anos. Nos permite digitalizar documentos desde 1996.
Internet: há 32 anos no Brasil.
Google: 22 anos. Desde 1998 podemos procurar e divulgar empresas, produtos e serviços.
Banda Larga: 20 anos. Desde o ano 2000, quando o IG lançou o primeiro provedor de acesso grátis à Internet.
Assinatura eletrônica de documentos (Brasil): 19 anos. Desde 2001 é juridicamente aceita e regulamentada em nosso país.
Linkedin: 17 anos. Profissionais podem usufruir de uma rede de contatos desde 2003.
Skype: 17 anos. Desde 2003 nos permite fazer ligações e reuniões por vídeo.
Facebook: 16 anos. Há 14 anos pode ser utilizado por qualquer pessoa fora de uma faculdade. O idioma em português foi adicionado em 2008. Portanto há 12 anos essa rede social é disponível para qualquer brasileiro.
Instagram: 10 anos. Há oito anos foi comprado e integrado ao Facebook.
WhatsApp: 11 anos. Desde 2009 é possível enviar mensagens e pouco tempo depois, permitiu o envio de imagens. Qualquer tipo de arquivo pode ser enviado há mais de três anos (desde 2017).
As ligações telefônicas em grupo existem desde antes dos celulares. As chamadas Conferences Calls são possíveis pelos telefones fixos há décadas. A primeira vídeo conferência aconteceu em 1964! A evolução da tecnologia, a produção em larga escala, a inclusão digital apenas permitiram que todos tivessem acesso à ferramentas com custos acessíveis ou, em muitos casos, gratuitos, como dezenas de app´s, incluindo aqui as redes sociais.
Mas, para se ter uma ideia do que estou falando, a plataforma mais utilizada, como novidade, nesses dias de COVID-19, em todo o mundo, é o Zoom Vídeo Conference. Você pode não acreditar, mas o Zoom existe há nove anos. Foi criado em 2011.
Portanto, de que mundo novo estamos falando então?
Em minha área de atuação, o mercado imobiliário, e mais especificamente, o marketing imobiliário, falamos diariamente para clientes, equipes de corretores e profissionais da área, usarem e abusarem de todas as ferramentas acima, desde quando se tornaram acessíveis. Mas, assim como Bernard Marx, uma boa parte ainda insiste em viver numa reserva primitiva, como se fossem um exemplo a ser preservado.
Certamente, não há e não haverá um mundo novo pós pandemia. Voltaremos ao mesmo mundo de semanas atrás, antes do confinamento. Acontece que, alguns acordaram para um mundo que já existe do jeito que é, há pelo menos 10, 20 anos ou mais. A preguiça tecnológica ardendo em suas mentes é que os fizeram pensar que haverá uma nova era, um novo tempo.
Bem-vindo ao admirável mundo velho. Desperte enquanto é tempo!
NILSON COLOMBO
Diretor da agência WP Criativa Marketing Imobiliário.
