Justiça determina fim de homenagens a ditadores e golpistas em São Bernardo
Sentença histórica obriga Prefeitura a alterar nomes de vias ligadas ao fascismo e à ditadura militar, após décadas de omissão do poder público
Em uma decisão inédita e considerada histórica, a Justiça de São Bernardo determinou que a Prefeitura altere, no prazo de 180 dias, os nomes de logradouros que homenageiam figuras e eventos associados a regimes autoritários. A sentença, proferida pelo juiz Julio Cesar Medeiros Carneiro, da 1ª Vara da Fazenda Pública, julgou totalmente procedente a ação movida pelo advogado Dr. Jaime Luís Fregel Colarte Castiglioni, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SBC. Além disso, a decisão reacende um debate antigo na cidade e traz à tona um conjunto de omissões históricas do poder público, que por décadas ignorou reivindicações por justiça memorial.
HISTÓRICO
A vitória judicial não surgiu do nada; pelo contrário, é resultado de anos de disputas políticas e tentativas frustradas de revisão histórica. Ainda mais, as primeiras iniciativas foram conduzidas pelo ex-vereador Aldo Josias dos Santos – PSOL, professor de filosofia e historiador, que tentou promover mudanças já em 2001 e 2002. Do mesmo modo, Aldo apresentou projetos para corrigir homenagens consideradas incompatíveis com os valores democráticos, mas ambos foram barrados sob justificativas burocráticas. “A história e a memória não são questões neutras, porque trazem em seu bojo uma filosofia de vida”, afirmou Aldo. “Não posso aceitar que um agente da tortura seja tratado como referência positiva para o nosso povo, assim como não posso aceitar que João Ramalho seja considerado herói enquanto traficava indígenas. Passar a história a limpo é dever dos democratas”, declarou. Ainda assim, mesmo com argumentos consistentes, as propostas foram arquivadas sem que o debate avançasse.
AÇÃO
Diante dessa paralisia, a judicialização tornou-se o único caminho possível. Nesse sentido, o advogado Jaime Castiglioni — também integrante do movimento social ENFRENTE! — acionou a Justiça para garantir o cumprimento dos princípios constitucionais que regem a memória e a dignidade da pessoa humana. “Esta sentença é a prova de que a persistência na defesa da Constituição dá resultados”, afirmou Castiglioni. “A Justiça agora faz o que deveria ter sido feito há muito tempo: alinha os símbolos da nossa cidade aos valores da democracia.” Além disso, o juiz reconheceu que a manutenção das homenagens representa uma lesão renovada diariamente, ferindo a moralidade administrativa e os direitos fundamentais.
SUBSTITUIÇÃO
A sentença é clara ao determinar que a Prefeitura substitua, dentro do prazo estabelecido, os nomes considerados incompatíveis com os valores republicanos. Ou seja, não se trata apenas de alterar placas, mas de rever o entendimento sobre o que deve ou não ser celebrado na esfera pública. As denominações atingidas incluem a Vila Mussolini, que homenageia o ditador fascista Benito Mussolini; a avenida Humberto de Alencar Castelo Branco, referência ao primeiro presidente do regime militar de 1964; e a avenida 31 de Março, alusão direta ao golpe que instaurou décadas de repressão no país. Todavia, o juiz ressaltou que a prerrogativa municipal de nomear vias não é absoluta e deve estar subordinada à Constituição.
Em sua fala, Aldo dos Santos reforçou que o debate não é apenas sobre política, mas sobre memória, ética e identidade coletiva. Além disso, criticou o apagamento histórico que permanece vivo na formação da cidade. “A história é viva, porque a memória é a busca de manter um legado”, disse. Em seguida, destacou que São Bernardo registra majoritariamente a história dos “vencedores”, omitindo o genocídio indígena, o tráfico de nativos no período colonial, a escravidão na região dos Beneditinos e os trabalhadores escravizados nas cerâmicas de São Caetano. Para ele, esse apagamento — ou “epistemicídio” — deseduca as novas gerações e distorce a compreensão sobre a construção da riqueza local.
MARCOS FIDELIS

