Há quem diga que os filhos são os bens mais preciosos que podemos possuir. Particularmente, discordo frontalmente dessa afirmação.
Na frase, a palavra “bens” é um substantivo masculino plural, usado em sentido figurado para indicar “tesouro”, “riqueza”, “algo valioso”. É um termo que, em geral, se refere àquilo que se possui — seja material ou imaterial.
Costumamos dizer, por exemplo:
- bens materiais: casa, carro, dinheiro;
- bens imateriais: saúde, liberdade, amizade — e, nesse caso, os filhos.
Ainda que a intenção da frase seja expressar amor e valor pelos filhos, ela carrega consigo duas ideias perigosas:
- a de que temos posse sobre os filhos;
- a de que os filhos seriam, em si, bens.
Mas os filhos não são bens. E, mais importante ainda: não são posse dos pais.
Uma visão cristã da filiação
Para nós, cristãos, ter filhos é coparticipar da obra da Criação. É Deus quem concede a vida, e, em seu amor pela humanidade, convida o homem e a mulher a colaborarem com sua obra criadora:
“Sede fecundos e multiplicai-vos” (Gênesis 1,28).
Os filhos são dons recebidos — nunca propriedades adquiridas.
São pessoas, com dignidade própria, chamadas à liberdade. O livre-arbítrio é condição essencial dos filhos e filhas de Deus. Como nos recorda São Paulo:
“E porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho que clama: Abba, Pai!” (Gálatas 4,6).
E, como filhos de Deus, devem ser educados sob a égide da verdade e da liberdade:
“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”
“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” (João 8,32.36)
A missão dos pais
Educar os filhos não é moldá-los à nossa imagem, mas acompanhá-los para que descubram e sigam o caminho que Deus lhes propõe.
Por isso, São Paulo adverte com delicadeza e sabedoria:
“Pais, não irriteis os vossos filhos, para que eles não se tornem desanimados.” (Colossenses 3,21)
Essa liberdade, contudo, não significa abandono ou permissividade. A responsabilidade dos pais é profunda:
“E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e correção do Senhor.” (Efésios 6,4)
Em conclusão
Filhos não são bens. São pessoas confiadas aos pais, não para serem possuídas, mas para serem amadas, educadas e libertadas. O amor verdadeiro não se expressa na posse, mas na doação. Não os temos como quem possui, mas os recebemos como quem cuida — até que possam caminhar por si mesmos, como homens e mulheres livres, filhos do Pai.
Prof. Roberto Belmonte Júnior. Diretor de Escola no Colégio Stocco. Leigo Estigmatino, Catequista de Pais e Padrinhos, Coordenador da Pastoral do Coroinhas e Ministro Extraordinário da Comunhão Eucarística na Matriz Sagrada Família em São Caetano do Sul.