Transformada pela pandemia, Cantora Sulsancaetanense dá vida a ícone feminista Juana em estreia da Ópera em New York
Na estreia em New York da Ópera em espanhol Juana, a mezzo-soprano sulsancaetanense Flávia Darcie, que interpretou o papel principal, nos levou a uma jornada pela luta de Juana para deixar sua marca em um mundo que ignorava as vozes femininas.
Quando Juana Inés de la Cruz, freira Mexicana do século XVII e ícone feminista, tenta espiar por cima dos muros do convento que a afastam do mundo exterior, tudo o que consigo pensar é que há alguns anos uma pandemia nos confinou dentro de nossas próprias quatro paredes. Na estreia em New York da Ópera em espanhol Juana, a mezzo-soprano sulsancaetanense Flávia Darcie, que interpretou o papel principal, nos levou a uma jornada pela luta de Juana para deixar sua marca em um mundo que ignorava as vozes femininas. Não é à toa que Flávia conseguiu abraçar facilmente esse papel considerando sua jornada do Brasil para NYC. Ao atravessar uma pandemia mundial, a cantora constatou que as paredes do seu pequeno apartamento em New York não eram tão diferentes das paredes que tentavam manter as ideias e paixões de Juana fora de alcance.
Fotógrafo: Brian E. Long
Flávia Darcie cresceu em São Caetano do Sul e desde cedo teve contato com a música clássica. Assim como a intensa curiosidade de Juana e sua vontade de explorar além de sua zona de conforto, a paixão de Flávia pelas artes lhe rendeu uma vaga no renomado conservatório Fundação das Artes, um Bacharelado em Música com concentração em Regência pela Faculdade de Artes Alcântara Machado, que a levou em uma viagem longe de casa, onde fez seu Mestrado em Música com concentração em Canto Erudito em uma das melhores Universidades do mundo, a New York University. Ao se formar, Flávia foi premiada por esta importante Universidade em Reconhecimento à Contribuição Excepcional no Mestrado em Canto Erudito. “Meu tempo na NYU foi mágico e turbulento ao mesmo tempo. Enquanto trabalhava na minha técnica vocal, tive que encontrar minha própria voz como estrangeira, usando diferentes línguas dentro e fora do palco”, disse Flávia.
Antes de mergulhar no mundo de Juana, Flávia havia atuado em várias produções de Ópera em New York, incluindo o papel principal de Hildegard Von Bingen na nova Ópera Waiting for the Rain de Kevin Cummines, onde a mesma deu vida a sua primeira figura histórica, também uma freira. Hildegard, agora conhecida como uma santa alemã, viveu na Idade Média e dominou a arte e a ciência, e como Juana, sempre buscou novos conhecimentos e questionou as normas da sociedade.
Em 2022, quando a maior parte do mundo começou a se abrir depois de dois anos traumatizantes, Flávia começou a preparar o papel principal em Juana com a Dell’Arte Opera Ensemble, uma companhia de Ópera inovadora e renomada de New York . O tema do festival era “Finding Home” ou “Em busca pela casa”, e como explica o diretor artístico e fundador Chris Fecteau, Juana “… está buscando um porto seguro entre estranhos e a liberdade de viver (sua) própria (vida) ao máximo”.
Como uma imigrante, Flávia se identificou bastante com o tema. “Ser um estrangeiro te distancia dos outros automaticamente, então cabe a você fazer as pazes consigo mesmo, o que não é um processo fácil e rápido, mas trabalhar nisso permitirá que sua singularidade te impulsione ao invés de te estagnar”.
Flávia sabia que novos desafios além do esperado seriam enfrentados com esta produção. “Todos nós estávamos vindo de anos de confinamento, medo e restrições, que nos obrigaram a nos adaptar a diferentes modos de viver. A história de Juana não foi muito diferente, suas ideias e crenças foram constantemente combatidas e silenciadas e como mulher suas escolhas eram limitadas, mas essas circunstâncias nunca fizeram a mesma parar de querer ser ouvida”. Ensaios através do Zoom, inúmeros testes de Covid e cantores com suas bocas cobertas até o último ensaio geral foram apenas alguns dos muitos ajustes que tiveram de fazer. Poderíamos pensar que todas essas novas adaptações comprometeriam a qualidade da produção, mas a verdade é que os artistas que tiveram que ficar quietos por tanto tempo esperando que os teatros abrissem suas portas novamente, estavam ansiosos para contar uma história, especialmente a de Juana.
Flávia se inspirou na compositora da Ópera Carla Lucero, e na libretista Alicia Gaspar de Alba, para se preparar para o papel. Ambas as mulheres têm um longo histórico de dar voz àqueles que não são ouvidos. Segundo ela, ”A música e as palavras criadas por essas duas artistas pintaram um rico retrato que me permitiu entender o coração conflituoso e a mente brilhante de Juana”
Flávia atualmente mora em Greenpoint, um bairro do Brooklyn em New York, onde há uma próspera comunidade repleta de artistas e imigrantes que contribuem para o florescimento da cultura da cidade. Ela está trabalhando em seu segundo álbum e preparando um recital recheado de música brasileira.
“A voz de Juana sempre me inspirará, não importa o que aconteça. Sua força, determinação e paixão sempre farão parte do combustível que me ajuda a seguir em frente”, concluiu a cantora.
Foto da ópera Juana no The Rose Nagelberg Theatre.
Fotógrafo: Brian E. Long