Riqueza cultural marca gastronomia do Grande ABC
Exemplos contemporâneos (da cozinha venezuelana e japonesa), mesclam-se com opções tradicionais (italiano e nordestino)
Um mundo diverso de sabores, perfumes e texturas.
Quatro destinos apetitosos revelam as dificuldades (e oportunidades) da pandemia de Covid-19 para os negócios, além da linha tênue entre adaptar os cardápios para “cair na boca” dos brasileiros e/ou apresentar pratos autênticos de suas culturas.
JAPONESA
À esquerda, tempurá de abobrinha com salmão batido, pimenta tailandesa sriracha, molho tarê e cebolinha – shoyu da casa também é artesanal; à direita, gunkan de peixe tilápia empanado, com maionese japonesa, tempero curry, tarê e cebolinha
Foi de um incômodo ético com o desperdício de alimento em rodízios de comida japonesa que o sushiman Alex Ohira colocou em prática um conceito tradicional em terra nipônica, mas ainda em ascensão no Brasil.
Conhecidos como Izakayas, as petiscarias noturnas habitualmente servem cerveja e saquê (bebidas alcoólicas e fermentadas típicas do Japão), além de opções para degustar geralmente fritas.
E é em São Caetano que Alex, ao lado do sócio e dos pais, toca desde 4 de março de 2022 o negócio com produtos selecionados e importados do outro lado do mundo. Antes de começar o empreendimento, anos atrás, o neto do japonês Tsu fez o caminho inverso do avô paterno e buscou trabalho em fábricas no Japão aos 21 anos.
“Eu comia muito fora por lá, principalmente em Izakayas que colegas japoneses sugeriam. Voltei decidido a abrir um alguma hora. No Izakaya Tsuo, coloquei o nome do meu avô que chegou ao Brasil aos 9 anos, o sr.‘Tsu’, e completei com a inicial do nosso sobrenome, o ‘Ohira’”, relata Alex.
Bandeira trazida aos 9 anos de idade, durante período de guerras, pelo avô do sócio-proprietário do estabelecimento Alex Ohira
De acordo com os sócios, mesmo o Brasil tendo a maior concentração da etnia fora do Japão, entre os desafios do estabelecimento está a constante conscientização sobre a cultura japonesa e a expansão do Izakaya Tsuo para demais unidades em outros estados futuramente.
“Precisei adaptar o cardápio para opções fritas e sushis. Ainda tem quem imagine que culinária japonesa é só peixe cru. Nem todos entendem que Izakaya não é um nome apenas, mas um conceito. Um exemplo é que o segredo do sushiman está nos arroz, mas quase ninguém liga para estes detalhes. Apesar disto, eu não esqueço de um episódio quando estava no Japão, no qual um senhor de idade me aconselhou a fazer com foco tudo que me proporia a executar, então eu continuo priorizando o tradicional”, diz ele.
Izakaya Tsuo
De terça a sexta-feira
R. Tiradentes, 214 – Santa Paula, São Caetano do Sul – SP
Contato em: (11) 91420-3398
Pagamentos em cartões de débito/crédito, pix e em espécie
Sem serviço de entrega
Média de valor: 40 reais (prato)
VENEZUELANA
Foi assando um bolo em casa, que o filho do casal Yilmary Carolina e Jhan Perdomo comentou despretensiosamente “madre, esto és una tentacione!” [mãe, esta é uma tentação!] e deu o nome para o novo negócio de comidas venezuelanas agora no Brasil.
“Era 2016, passei a vender bolos em São Caetano do Sul (SP). Com o tempo, começaram os eventos corporativos para jantar, almoço, café da manhã e em seguida, na pandemia, dedicamos tempo e atenção ao delivery”, comenta Yilmary, que hoje trabalha com cerca de três eventos empresariais por mês e há 4 anos também oferece semanalmente os quitutes típicos na paulistana Feira do Bom Retiro.
No cardápio, estão opções como:
- Tequeños: prato tradicional da região de Los Teques; palitos de queijo coalho enrolados em massa artesanal de farinha de trigo e servidos com um molho leve de alho.
- Cachapas: iguaria do Centro da Venezuela; tortinhas em formato de crepe, feitas com milho verde fresco e recheado em sabores variados.
- Arepas: marcantes em todo território venezuelano e oferecidos como opções sem glúten e lactose; os bolinhos de farinha de milho branco envolvem recheios com ingredientes como feijão preto, banana-da-terra e abacate.
De acordo com o casal, o Grande ABC ainda dá pouco espaço ao empreendedor – sobretudo, àquele que veio de outro país. “Todo dia enfrentamos desafios: por ser migrante, pela baixa expectativa popular em relação à comida latina, e porque há pouco incentivo público – até foodtrucks de não-munícipes são mais preteridos e a taxa que pagamos para ocupar espaço em um evento em São Caetano é igual”, desabafa Yilmary.
“Uma frase da minha família sempre me marcou: ‘não esqueça de onde você vem e onde você também está’. Incrementamos algumas opções para agradar sim o paladar brasileiro, mas a gente partiu da ideia de que, nós, como venezuelanos, não podemos mudar a coxinha brasileira, por exemplo, e que elementos do nosso país precisavam ser mantidos. Então, por aqui, não vale falar que não é bom até que se tenha experimentado”, brinca ela.
O esposo, Jhan, que era terapeuta ocupacional junto com Yilmary na terra natal, aproveita para comentar sobre a Venezuela além da gastronomia e o que os trouxe ao Brasil. “A crise já existia, mas os cidadãos não sabiam até porque o governo permite o que a imprensa deve falar. Com Hugo Chavéz no poder, o problema não se restringiu apenas à fome, mas mudou a mentalidade de todos – e isto deixou de ser político, passando a ser de importância social. Um exemplo é que boa parte das pessoas passou a acreditar que tinha os mesmos direitos apesar de todos termos diferentes oportunidades, o que agravou os índices de homicídios e roubo até entre amigos. Se alguém tivesse estudado e trabalhado para ter o imóvel próprio, era motivo para ser roubado e a sensação era que se podia ter tudo, quando não se tinha nada”.
Segundo Yilmary, que tem a mãe e irmãs ainda vivendo em terra venezuelana, “as pessoas se adaptam e sobrevivem a este cenário. Mesmo no mundo de desespero que a Venezuela se tornou, não sabíamos o quanto éramos felizes morando lá”.
Tentaciones da Venezuela
Entrega a domicílio ou retirada às segundas, terças e quartas-feira na Rua Roma – Oswaldo Cruz, São Caetano do Sul – SP
Também em estande, das 9h às 17h aos sábados, na Feira do Bom Retiro (entre as ruas José Paulino, 226, e Ribeiro de Lima, 453 – São Paulo, Bom Retiro – SP)
Contato em: (11) 94932-7060
Pagamentos em cartões de débito/crédito e em espécie
Com delivery próprio e disponibilidade para eventos corporativos
Média de valor: 30 reais (prato)
ITALIANA
Estabelecimento foi o primeiro no ABC a utilizar queijo grana padano nas preparações – o qual o chef guarda a casca como lembrança na foto à esquerda. O prato é construído na frente do cliente, que tem a massa fettuccine emergida sobre os 36 quilos de queijo derretidos.
Naquele outono de 1954 em Abruzzo (Sul Itália), o chef italiano Franco Del Sordo jamais imaginaria que a estréia do filme “A Estrada da Vida” apontaria um dos conceitos de seu futuro restaurante no Centro de São Bernardo do Campo, SP.
Ele, que viveu por 30 anos na Itália e está há menos de 5 anos no Brasil, comenta: “por lá era comum dizermos que alguém era forte como Zampano, o herói deste filme. Então, quando eu e meu sócio [José Clebs] abrimos justamente durante a pandemia, a Zampano Pizza e Pasta era como um herói rompendo com a pandemia”, reflete Franco.
De acordo com a equipe, o cheiro atrai a vizinhança predominantemente residencial e um dos principais motivos é a preferência por um cardápio autenticamente italiano e a escolha por não usar nenhum ingrediente industrializado – priorizando a farinha Caputto, molho de tomate fresco e pizzas com massa de fermentação natural, por exemplo.
Vale mencionar que neste compasso de adaptação dos pratos do menu ao paladar popular, uma das consequências está na intensa imigração italiana ao Brasil (1880-1930) que aproximou o público com a culinária italiana. Pratos inexistentes na Itália entraram na lista dos mais pedidos da Zampano!
“A Parmegiana para mim é uma feijoada de frango, entende? Aliás, em uma tratoria tradicional nunca se serve feijão, mas quase sempre aparece alguém pedindo feijão em nossos almoços. Eu, particularmente, me acostumei a comer feijão por causa da minha esposa brasileira”, ri o chef.
Outro caso é a inclusão do bolinho francês “petit gateau” entre as sobremesas e até mesmo alguns tradicionais sabores de pizza, como portuguesa e calabresa: “das três mais pedidas [portuguesa, calabresa e marguerita], a única com raiz italiana é a marguerita mesmo, que representa a bandeira do país e deriva-se do nome de uma monarca governante. O mais engraçado disto tudo é que o prato pizza mesmo é de origem arábica e não da Itália, apesar de ter se popularizado lá”.
Para finalizar, Franco relembra os tempos de infância, quando aos 5 anos de idade ia para cozinha de sua mãe e ganhava como prêmio uma sobremesa; lembra também dos pratos que lavava aos 13 anos como aprendiz de um chef espanhol e de como, após a morte do patrão, percorreu outros países interessado nos idiomas e gastronomias. “Chef não é uma palavra, é uma experiência de vida. Acredito que só o é de verdade quem sabe limpar prato e o salão, sabe atender mesas e constrói seu repertório na cozinha após anos de experiência. Não é só sabe cozinhar, no fundo, não é uma graduação que fará de alguém um chef real”.
Chef Franco ao lado do gerente Alexandre dos Santos
Zampano Pizza e Pasta
Terça a domingo
- Carlos Del Prete, 106 – Centro, São Bernardo do Campo – SP
Contato em: (11) 4122-7272
Pagamentos em cartões de débito/crédito, VR e em espécie
Com delivery próprio (aplicativo), Ifood e Rappi
Média de valor: 40 reais
NORDESTINA
Luiz Jorge e Luiz Jorge Filho: duas gerações de um estabelecimento familiar empenhadas em valorizar a rica culinária brasileira
Comida à vontade, por quilo e, principalmente, nordestina a la carte. “Fomos nos adaptando com a demanda do mercado, nem sempre a comida típica era vendável”, comenta Luiz Jorge Mendonça Filho, neto paterno dos fundadores do Restaurante Nordestão: José Maynarte e Marianita Menezes.
Apesar do cenário controverso, com o restaurante de sabor brasileiro há 52 anos, Luiz comenta que o local habitualmente frequentado por trabalhadores da região e clientes de até três gerações (seu avô, fundador; pai e agora, a clientela contemporânea) teve um aumento de 300% na demanda durante a pandemia de Covid-19.
Entre os carro-chefes estão o Baião de Dez (feito de baião de dez comum, costela suína, torresmo, ovos fritos e banana grelhada), a feijoada e o Chapéu de Couro (refeição composta por carne seca acebolada, queijo e mandioca frita).
Vale ressaltar também que a nova rota do restaurante, que passou de geração em geração e valoriza a diversidade gastronômica nacional, foi escolhida a dedo: após 28 anos de história na Av. Lucas, com mudança do salão por 23 anos na Av. Índico, Nordestão retoma as raízes e traz ainda amplitude duplicada nos espaços de cozinha e salão.
“Meus avós deram o nome como Nordestão para simbolizar um mundo de travessia e experiência do cliente pela nossa cultura. Buscamos tematizar um pouco mais, trazendo elementos de decoração que lembre o Nordeste do país e forró ao vivo, por exemplo”, diz ele.
Domingo a domingo
Av. Índico, 87 – Centro – Jardim do Mar, São Bernardo do Campo – SP
Contato em: (11) 4125-4569
Pagamentos em cartões de débito/crédito e em espécie
Com delivery próprio (aplicativo “Restaurante Nordestão”), Ifood e Rappi
Média de valor: 35 a 60 reais
Especial
Por: Layz Bento