Há um Brasil que não aparece nos mapas do progresso, nem nos discursos triunfalistas sobre desenvolvimento e soberania. Um Brasil silencioso, invisível por escolha, não do país, mas dos povos que o habitam. É neste território esquecido que vive a maior parte dos povos indígenas isolados do planeta. E o dado, por si só, deveria constranger a nação: dos 196 povos isolados existentes no mundo, 115 estão no Brasil. Ainda assim, o Estado brasileiro reconhece oficialmente apenas 29.
Não se trata de uma falha estatística. Trata-se de uma escolha política, histórica e estrutural. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) registra 115 povos indígenas isolados, mas 86 deles, 75%, seguem em alguma etapa preliminar de análise, sem confirmação oficial. Enquanto isso, seus territórios seguem expostos, pressionados e, muitas vezes, devastados.
No Brasil, reconhecer é proteger. Sem a confirmação oficial, a presença do Estado chega tarde, quando chega. Postos de vigilância, bases de proteção, sobrevoos, articulações institucionais e ações da Funai e da Secretaria de Saúde Indígena dependem, em grande medida, desse reconhecimento formal. A ausência dele amplia a vulnerabilidade de povos que já vivem sob ameaça constante.
O argumento de que esses grupos estariam protegidos mesmo sem confirmação plena não resiste à realidade do território. Basta olhar para o Arco do Desmatamento, onde os povos isolados vivem em verdadeiras ilhas de floresta, cercados por rodovias, fazendas, cidades, mineração e grandes empreendimentos. Ali, a floresta não é monumental, é fragmentada. A ameaça não é abstrata, é cotidiana.
O caso dos Ituna-Itatá, no Pará, é emblemático. Mesmo sob restrição de uso, a terra indígena foi alvo de invasões intensas e se tornou, entre 2016 e 2019, a mais desmatada do país. Em 2022, sua proteção só foi mantida por decisão do Supremo Tribunal Federal. Não fosse o Judiciário, o Estado brasileiro teria falhado mais uma vez.
O Brasil gosta de se apresentar como potência ambiental e guardião da Amazônia. Mas essa narrativa desmorona quando confrontada com a realidade dos povos isolados. Não há soberania sem responsabilidade. Reconhecer esses povos não é um favor. É uma obrigação constitucional, ética e histórica. O Brasil que o Brasil quase não conhece existe.

