
O MP – Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito civil para investigar o prefeito de São Bernardo, Marcelo Lima – Podemos, por suspeita de improbidade administrativa, desvio de recursos públicos e enriquecimento ilícito. A apuração, conduzida pela 12ª Promotoria de Justiça de São Bernardo, foi aberta no último dia 5 de outubro e se baseia nas revelações da Operação Estafeta, da Polícia Federal, que completou dois meses nesta terça-feira (14).
A operação apontou o prefeito como principal beneficiado de um esquema milionário de corrupção, que desviava recursos de contratos com empresas das áreas de obras, saúde e manutenção da cidade. Além do prefeito, o inquérito atinge o ex-servidor da ALESP – Assembleia Legislativa de São Paulo Paulo Iran, identificado pela PF como o operador financeiro do esquema.
Contudo, em meio ao avanço das investigações, a imagem de Marcelo Lima voltou a chamar atenção — desta vez, no campo religioso.
Mal Estar
No domingo (12), o prefeito participou de uma missa no Santuário Nossa Senhora Aparecida, em São Bernardo, ao lado da vice-prefeita Jéssica Cormick – Avante. O momento, que parecia apenas uma celebração religiosa, ganhou tom político quando o bispo da Diocese de Santo André, dom Pedro Carlos Cipollini, fez uma homilia dura contra a corrupção e a ganância, com críticas interpretadas como um recado direto ao prefeito presente na celebração.
Em tom firme, o bispo declarou que “a corrupção é um dragão que devora as pessoas, porque é uma mentalidade de levar vantagem em tudo”. A fala gerou aplausos de parte dos fiéis — inclusive de Marcelo Lima, visivelmente constrangido, segundo relatos de presentes.
Dom Pedro prosseguiu, dizendo que o Brasil “é um país rico, com recursos suficientes para resolver todos os problemas sociais, mas a corrupção destrói essa possibilidade, pois é um mal que nasce na alma humana e se espalha pela estrutura do poder”.
Além disso, o bispo afirmou que “a mentalidade de levar vantagem em tudo e de que os outros se lasquem é o verdadeiro veneno da sociedade”. Ele pediu orações pela integridade moral dos governantes e acrescentou: “Vamos pedir a Nossa Senhora pelo nosso Brasil, para que nos livre da festa dos poderosos e do desespero do povo. Que possamos construir uma sociedade mais justa e feliz.”
As palavras de dom Pedro ecoaram fortemente nas redes sociais e entre fiéis, que interpretaram o discurso como um desabafo de indignação moral diante do contexto político da cidade.
Ainda mais, o episódio marcou o retorno público do prefeito após dois meses de afastamento do cargo por decisão judicial. O STJ – Superior Tribunal de Justiça determinou a revogação das medidas cautelares e autorizou Marcelo Lima a retomar o mandato.
Denúncia
O Ministério Público apura quatro frentes principais: o desvio de recursos públicos, o enriquecimento ilícito de agentes políticos, o dano ao erário municipal e a violação dos princípios da administração pública.
A Promotoria solicitou à prefeitura cópias de processos de licitação, contratos e comprovantes de pagamentos com empresas investigadas, além da lista de ocupantes de cargos comissionados na Secretaria de Coordenação Governamental e procedimentos disciplinares internos em andamento contra os investigados.
De acordo com a PF, o operador Paulo Iran mantinha uma relação direta e constante com o prefeito. Ele seria o responsável por pagar contas pessoais de Lima, da esposa e da filha, com dinheiro oriundo de contratos públicos. Na casa de Iran, a PF encontrou R$ 14 milhões em espécie, parte em dólares.
A defesa de Iran afirma que vai “buscar nos autos a nulidade da apreensão e de todas as provas derivadas, pois não existia ordem judicial para entrada no domicílio”.
Danilo Lima
O vereador Danilo Lima – Podemos, primo do prefeito, é outro alvo das investigações. A Polícia Federal aponta que ele teria atuado para manter contratos suspeitos e facilitar nomeações políticas, em troca de vantagens financeiras.
Danilo segue afastado da presidência da Câmara Municipal de São Bernardo desde agosto, e não há previsão de retorno. Além dele, outros oito investigados permanecem sob apuração. Do mesmo modo, o Ministério Público pretende aprofundar a análise sobre os fluxos financeiros e vínculos políticos entre os investigados, em busca de provas que comprovem a extensão do esquema.
Análise
Para o advogado e professor da FDSBC – Faculdade de Direito de São Bernardo, Dr. Arthur Rollo, o caso envolvendo o prefeito Marcelo Lima ainda deve percorrer um longo e complexo caminho judicial, exigindo atenção cuidadosa a cada etapa do processo. “É uma ação de improbidade. Essa ação vai passar por várias fases: inicialmente haverá a defesa do investigado, seguida da contestação, depois a fase de instrução, que inclui produção de provas, depoimentos e perícias, e, por fim, a sentença — possivelmente condenatória”, detalhou o jurista.
Ele ainda ressaltou que, “mesmo se houver condenação com eventual suspensão dos direitos políticos, cabe apelação, que será julgada pelo Tribunal de Justiça. Do julgamento do TJ ainda é possível interpor recursos extraordinários e especiais ao STJ e ao STF, o que significa que o processo pode se prolongar por anos antes de alcançar uma decisão definitiva”.
Outro lado
Procurada, a defesa de Marcelo Lima não se manifestou. A Prefeitura de São Bernardo, por sua vez, informou que foi oficialmente notificada na sexta-feira sobre o inquérito mencionado, que tramita sob sigilo, e “reafirma seu compromisso com a transparência e a legalidade. O município reforça que instaurou auditoria interna nos contratos, procedimento iniciado antes mesmo do pedido do Ministério Público. A medida abrange todos os contratos e convênios, averiguando todos os pagamentos, cumprimento de prazos e execução de serviços. Os processos são volumosos, o que leva tempo para apreciação”.
A Secretaria de Comunicação ainda afirmou que “tem colaborado de forma integral com os órgãos competentes, prestando todos os esclarecimentos necessários sempre que solicitado.”
Histórico
Em 14 de agosto, a Operação Estafeta foi deflagrada pela Polícia Federal com o objetivo de desarticular o esquema de corrupção. Na ocasião, o TJ – Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o afastamento de Marcelo Lima do cargo por um ano, além da utilização de tornozeleira eletrônica, recolhimento noturno e proibição de deixar a cidade.
Em 10 de outubro, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do STJ, considerou o afastamento “uma espécie de cassação judicial temporária do mandato eletivo, sem condenação e sem base legal”.
“A medida já não se mostra necessária nem proporcional, diante do esgotamento das diligências investigativas e da ausência de risco concreto à instrução processual”, escreveu o ministro Fonseca.
Além disso, o STJ seguiu o parecer da PGR – Procuradoria-Geral da República, emitido um dia antes, que também entendeu não haver elementos para sustentar a continuidade do afastamento do chefe do executivo.
Marcelo Lima retornou à prefeitura na noite de sexta-feira (10), sendo recebido pela vice-prefeita Jéssica Cormick, que exercia o cargo interinamente. A auditoria nos contratos municipais, prometida pela vice durante sua gestão temporária, ainda está em andamento.
MARCOS FIDELIS