Não é sobre corrupção, genocídio, traição, negacionismo, autoritarismo, insolência, ganância, hipocrisia, canalhice ou todos os desvios morais que fazem, em todas as épocas, parte das disputas humanas na destruição da ética no processo civilizatório. A distopia faz-se presente desde tempos imemoriais.
É sobre o afloramento do ódio avassalador reprimido em todas as camadas sociais e exposto “ad nauseam” na mídia pré e pós as recentes eleições. O Brasil está dividido muito menos pela ignorância ideológica dos inocentes úteis e muito mais pelos interesses políticos e econômicos dos donos do poder. O equilíbrio instável do Estado de Direito, abalado por atitudes de mentes insanas colocam em risco a democracia por insuportável entropia social. Todo exercício de poder pressupõe uma forma de violência, mitigada ou não, disfarçada ou não, que deveria manter o respeito às instituições em benefício do povo. Entretanto, em detrimento dele, por corporativismo e desonestidade, prevalece sempre um institucionalismo dissonante. A visão míope construída através da desinformação, criminosa ou não, acirra ânimos e estimula a discórdia. Assim nascem os falsos mitos dos carentes de autoestima.
“Só existem duas formas de os homens lidarem uns com os outros: armas ou lógica, força ou persuasão. Os que sabem que não podem vencer pela lógica, sempre recorrem às armas” (Ayn Rand).
Sem dignificação pelo trabalho, proficiência na Economia, sem o resgate da Educação, sem responsabilidade cidadã na urdidura de níveis melhores nas relações humanas, não há ordem nem progresso. Quando se perde o respeito às tradições, quando se despreza e ignora a Ciência, quando a fé é negociada além da razão e do razoável por mercadores que usam Deus como excludente de ilicitude, quando na disputa pelo poder se legitima a mentira e a violência, desestrutura-se a base moral de uma nação. Temos então, por óbvio, que a Pátria está muito doente, física e espiritualmente. No físico, precisa ser vacinada contra todas as variantes que destroem o suporte cognitivo da sua gente. Haja vacina! A tragédia torna-se mais dantesca quando nos autointitulamos “cidadãos de bem”, numa avaliação orgulhosa da nossa própria imbecilidade. “Nos indivíduos a loucura é algo raro-mas nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas, é regra”. (Nietzsche). Lamentavelmente, não existem vacinas para os males do espírito, que exigem trabalho hercúleo contra a doutrinação do mal pelas redes sociais, contra o “gaslighting” imposto à massa ignara de um país absurdamente injusto. Os medíocres não nos importunam porque não nos tiram da zona de conforto, não ameaçam privilégios, não deliberam sobre o “status quo”.
Está pronto o caldo de cultura para alucinações messiânicas; está preparado o solo fértil para milicianos, arrivistas de todos os escalões, para os pseudo-liberais das próprias conveniências, para o agro-ogro e para toda sorte de lideranças autoritárias populistas. Terra adubada para desvios de funções de Estado pela secular tutela militar, abalando a autonomia das instituições com a politização das forças armadas.
Esteja do lado que você estiver, faça um exame de consciência e coloque-se com honestidade de propósitos como um defensor de democracias, não apenas da sua democracia. O exercício da tolerância separa os caminhos da sensatez e da barbárie. Um homem é o seu Eu e as circunstâncias que o moldam. Ao conjunto dá-se o nome de caráter, definido nos seus usos, costumes e atitudes.
“O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós”. (Jean Paul Sartre). Evidentemente, a pátria dividida no seu eleitorado, não tem 50 milhões de “ladrões comunistas”, nem 50 milhões de “genocidas fascistas”, mas precisamos evoluir muito. Além das reformas política, eleitoral, trabalhista, tributária e outras que envolvam a governabilidade, necessitamos de um grande investimento no capital humano. É pela Educação que se reduz preconceitos e se cultiva respeito humanitário. Somos um país de muita riqueza natural e devoção para não nos indignarmos perante a fome e a miséria.
Até que ponto você é dono da verdade que adota? Por quais interesses você se deixa manipular? Analise bem se sua voluntariedade é por uma causa republicana.
Separe o joio do trigo, identifique e preserve os amigos verdadeiros. Não são muitos, mas são os que valem a pena na construção da sua felicidade. A materialização da civilidade se faz pela convivência sadia. É por ela que aprendemos a usar os talheres da democracia e não as armas da barbárie.
José Roberto E. Xavier.
Academia de Letras da Grande São Paulo.