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Quem venceu o melhor debate da história recente do país?

Reinaldo Polito 

 

Colunista do UOL

 

Quando tiveres muitos argumentos, não empregues senão os melhores. Quando não tiveres nenhum, emprega-os todos.
Urbano de Castro

 

No domingo (16), às 20h, Lula e Bolsonaro se enfrentaram no debate promovido pelo UOL, Folha de S.Paulo, e TVs Bandeirantes e Cultura. Esse primeiro confronto do segundo turno foi um dos mais esperados da história recente do Brasil. E os contendores não decepcionaram. Foi um embate eletrizante do começo ao fim.

 

Os candidatos se comportaram de forma civilizada. Houve xingamento de lado a lado. Não faltaram adjetivos como mentiroso e cara de pau, mas nada que pudesse ser considerado fora da normalidade. Ninguém se alterou a ponto de gritar, ou falar de forma enraivecida. Lula já tem se comportado assim há um bom tempo. Bolsonaro adotou essa comunicação mais suave recentemente.

 

Detalhes inusitados

 

Houve momentos muito curiosos. Em 1989, nos debates entre Lula e Color, como o ex-governador alagoano era bem mais alto, o petista exigiu que colocassem um tablado acima do nível do piso para que ele não parecesse mais baixo que o adversário.

 

Bolsonaro usou uma tática que ninguém percebeu. No seu momento de falar, como se estivesse sendo simpático com o oponente, pôs a mão sobre o seu ombro e pediu “carinhosamente” para que ficasse ao seu lado. Lula tentou se afastar, mas percebeu que não seria elegante.

 

Pode parecer algo insignificante, mas para o ex-presidente, que já havia se incomodado com a diferença de estatura há tantos anos, a situação foi bastante constrangedora. Tanto que permaneceu ao lado do presidente demonstrando contrariedade.

 

Desempenho

 

Lula foi mais competente em se comunicar com a câmera no início do debate. Bolsonaro, dizem até que alertado pelo seu filho Carlos, só tomou essa iniciativa bem depois. Por sinal, alguns que estavam na plateia tentaram ajudar o presidente pedindo, por exemplo, que mudasse de assunto, já que a história da pandemia e das vacinas estava se alongando demais.

Ao contrário das discussões que mantiveram anteriormente, desta vez Bolsonaro procurou falar mais das realizações do seu governo, reduzindo os ataques ao seu oponente. Lula permaneceu na defensiva e procurou agredir o adversário em situações especiais, como, por exemplo, no caso da pandemia.

 

Nervosismo

 

O petista cometeu um grave erro. Falou por tempo muito prolongado a respeito de temas que não favoreceram sua posição e deixou que Bolsonaro falasse à vontade por “intermináveis” cinco minutos e meio. Como diziam os narradores de Fórmula Um, é um temporal.

 

Os dois estavam muito nervosos. Até tentaram disfarçar, mas não teve jeito. Foi perceptível. Fizeram pausas controladas, baixaram o tom da voz, não esbravejaram, mas a postura e os gestos falaram mais alto do que as palavras.

 

As mãos e o sorriso

 

Lula sempre teve o hábito de esfregar as mãos. Mesmo sendo um orador experiente, em situações de muita pressão essa atitude fica bem acentuada. Durante o debate, em certos momentos, principalmente no início, dava a impressão de que estava descontrolado, tal a força com que esfregava uma das mãos na outra.

 

Outro aspecto que chamou a atenção foi o sorriso. Essa também é uma de suas características ao participar de debates. De maneira geral, se comporta dessa forma para utilizar a ironia, um de seus recursos prediletos quando deseja desestabilizar o adversário. Age assim também para demonstrar que as acusações feitas pelo oponente não o atingiram. Como se achasse graça da inconsistência do ataque recebido.

 

No debate da Band, o sorriso demonstrava mais que a intenção de ser irônico, passava a sensação de disfarçar insegurança e um certo constrangimento. Somente no final é que pôde falar com desenvoltura, e com o semblante mais naturalmente arejado.

 

Braços nas costas

 

Bolsonaro também deu demonstrações evidentes do seu desconforto. Durante muito tempo, falou com os braços travados nas costas. Era a atitude clara de quem estava acanhado e inseguro. Ele caminhava pelo palco em direção à câmera com essa postura, e voltava para o púlpito da mesma maneira.

 

Outro detalhe negativo foi o fato de segurar as folhas de papel nas mãos até nos instantes em que não tinha nenhuma intenção de utilizá-las. Serviu como espécie de muleta psicológica. Não há problema de o orador se valer de anotações como apoio. No seu caso, todavia, só em um momento ou outro é que a atitude se justificou.

 

Esse recurso de apoio foi importante, por exemplo, quando relacionou os valores devolvidos pelas construtoras no episódio do Petrolão, e ao ler a decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre sua inocência no caso das jovens venezuelanas.

 

Detalhes decisivos

 

Os telespectadores podem até não perceber conscientemente esses detalhes, mas são influenciados por eles. Como disse Freud: “O nosso inconsciente pode receber a mensagem do inconsciente do outro sem que ela passe necessariamente pelo nosso consciente”. É por esse motivo que muitos se perguntam no final: “Por que gostei ou não deste ou daquele candidato?”.

 

Em poucos dias saberemos se essas atitudes poderão ter influenciado ou não a decisão dos eleitores. Nem todas as pessoas estão seguras de como escolher seu candidato. Talvez se decidam pela maneira como os competidores agem no debate. Aí sim saberemos quem venceu.

 

Superdicas da semana

 

O argumento a favor é a tese. A refutação é a antítese. O que não for destruído será a síntese
Os ataques que não são rechaçados serão considerados no julgamento
O corpo, às vezes, fala mais do que as palavras
Há casos em que, para vencer, a atitude pode ser mais relevante que os argumentos

Livros de minha autoria que ajudam a refletir sobre esse tema: “Como Falar Corretamente e sem Inibições”, “Comunicação a distância”, “Os segredos da boa comunicação no mundo corporativo” e “Oratória para advogados”, publicados pela Editora Saraiva. “29 Minutos para Falar Bem em Público”, publicado pela Editora Sextante

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