Documentário cênico Cartas da Prisão, que retrata a troca de cartas amorosas entre uma mulher e um serial killer, estreia no Sesc Santo André
Com texto de Nanna de Castro, direção de Bruno Kottÿ e atuação de Chica Portugal, espetáculo mescla ficção e relatos reais de mulheres que sofreram diversas formas de abuso
Depois de ser concebido em uma versão online, o espetáculo Cartas da Prisão, com texto de Nanna de Castro, estreia no dia 5 de agosto no Sesc Santo André, com apresentações às sextas e aos sábados, às 20h00. O solo, dirigido por Bruno Kottÿ e estrelado por Chica Portugal, é uma espécie de documentário cênico que mistura ficção com relatos reais de mulheres que sofreram diferentes formas de abuso de seus companheiros.
Em cena, Chica Portugal dá vida a uma atriz-performer chamada Rita, que realiza um espetáculo a partir de suas pesquisas sobre relacionamentos abusivos. O fio condutor da peça da personagem são cartas que foram encontradas debaixo do colchão de um presidiário em uma penitenciária de São Paulo. Trata-se da correspondência amorosa entre uma mulher que assina como “M” e um psicopata conhecido como “o maníaco da flor”, condenado por matar esquartejar mais de 40 mulheres.
A partir das cartas, Rita revela o relacionamento abusivo que viu a própria mãe viver com seu pai, o que fez a protagonista sair de casa muito jovem. O público acompanha a evolução do relacionamento entre “M” e o “maníaco da flor” e o desgaste da relação entre Rita e sua mãe – incapaz de deixar o relacionamento abusivo. E as histórias destas mulheres vão se tornando cada vez mais parecidas.
Rita também traz para a cena depoimentos reais de outras mulheres que viveram experiências amorosas com abusadores, além de materiais diversos de pesquisa sobre o tema. Na colcha de retalhos que vai se formando entre todas as histórias, ela questiona a si mesma e o público sobre nossas possíveis e inimagináveis relações com o abuso como indivíduos e como sociedade.
“Usamos a pesquisadora [Rita] como metalinguagem para que a atriz [Chica Portugal] se relacione diretamente com o público, quebrando, assim, a quarta parede, num misto de contação de história e palestra ficcional. Ao contrário da versão em vídeo, teremos a caixa preta, símbolo referencial do teatro, como um potente meio para que o espectador co-crie junto da obra, imaginando desde a ambientação dos espaços até as situações emocionais descritas nas cartas das três personagens interpretadas pela protagonista”, revela o diretor Bruno Kottÿ sobre a encenação.
A respeito de uma de suas motivações para montar o solo, a atriz Chica Portugal, que também é idealizadora da montagem, menciona: “Incrivelmente não há uma mulher que eu converse sobre o assunto que não tenha passado por algum tipo de relacionamento abusivo. A maioria deles é velado, sutil – acabam sendo os mais difíceis de se notar, porque há uma tendência de normalização desse abuso quando não há agressão física. A maioria das mulheres deixa passar”.
Já a dramaturgia de Nanna de Castro rompe propositalmente o limite entre realidade e ficção ao transitar entre depoimentos verdadeiros e fictícios, entre o noticiário e o poético. Obras como “Mulheres que Amam Demais”, de Robin Norwood, e “Loucas de Amor”, de Gilmar Mendes, são referências importantes.
“Dentre as facetas das relações abusivas, sempre me intrigou as mulheres que se correspondem com criminosos sexuais confessos na prisão. É comum que assassinos recebam centenas de cartas de amor de mulheres que os conhecem apenas pelo noticiário. É como se o abuso fosse não apenas aceito, perdoado, mas acolhido. Não quero e não posso julgar estas mulheres, apenas convidar o público a partir desta situação extrema e refletir sobre nossa convivência com a violência e o desrespeito não apenas no nível pessoal, mas social”, acrescenta a dramaturga.