São Caetano do Sul tem história para contar
*Contada pelo pesquisador Humberto Domingos Pastore
Lembro com certa saudade daquele tempo em que, por cinco anos, dirigi o Museu Histórico de São Caetano do Sul, um cargo que assumi com muito orgulho, por se tratar deste local mágico que é a sede de um museu, e ainda por cima, ser o museu da minha cidade.
Como era gratificante poder receber os visitantes, principalmente as crianças que chegavam em caravanas em busca do conhecimento sobre a história dos antepassados. Como vibrava os seus olhos ao verem as peças do acervo que foram doadas pelos moradores mais antigos. E como era gostoso poder contar para cada grupo de visitantes a história dos primeiros habitantes do antigo povoado denominado Tijucussu. Terras de Tijucussu.
Sim. O primeiro nome destas terras era Tijucussu, um termo que quer dizer local de muito barro, terra barrenta. O nome foi dado pelos índios que aqui viviam logo após o descobrimento do Brasil. E, portanto, pelos idos de 1.500 e um pouquinho…
Eu explicava aos alunos que tijucussu era igual a dizer lama, charco, atoleiro. Lugar de muito barro, um barreiro. E lá vinha a história.
Contava que o primeiro registro de existência de habitantes nas Terras de Tijucussu – onde hoje está a cidade de São Caetano do Sul – se deu por meio do inventário datado de 21 de janeiro de 1.597, feito pelo cartório da época dando conta de um sítio com roças e casebres, pertencente a um alfaiate espanhol de nome Diogo Sanches. Este inventário foi realizado após a morte da esposa do Diogo, a portuguesa, Isabel de Felix.
Diogo morava aqui com sua esposa, seu filho Miguel e mais uma família de indígenas, o pai, a mãe e mais seis filhos, todos escravos. Está nestes registros que Diogo Sanches ficou doente e morreu de maneira muito rápida, no ano de 1.598. Consta também, que naquele tempo, animais ferozes, como onças, atacavam as vacas e galinhas, ali criadas.
Parte das terras de Diogo Sanches foi adquirida, após sua morte, por André Escudeiro por seis mil réis em troca de uma dívida que a família tinha com ele. O menino Miguel ficou com uma escrava de nome Mônica. Ele faleceu com 24 anos, ainda solteiro, no ano de 1.620.
No ano de 1.630, parte das terras de Tijucussu estava em nome de Duarte Machado e sua esposa Joana Sobrinha. Ambos por pura generosidade fizeram a doação destas terras para a Ordem Religiosa de São Bento, no dia 19 de setembro de 1.631.
Era comum naquele tempo que para tomar posse, os novos donos do terreno pegassem um punhado de terra e alguns galhos e gritassem bem alto: posse, posse, posse. E foi isso que fizeram alguns monges beneditinos ao visitarem o local pela primeira vez.
Surge um Bandeirante
Esta parte da história é que mais gostava de contar. Iniciava perguntando se eles já tinham ouvido falar dos bandeirantes. E passava a narrar que o restante destas terras acabou indo parar nas mãos de Manoel Temudo que por 75 mil e quinhentos réis vendeu ao Bandeirante Fernão Dias Paes Leme, o Caçador de Esmeraldas, que tinha somente o objetivo de comprar para doar tudo aos monges beneditinos do Mosteiro de São Bento. Em troca desta doação, ao morrer poderia ser enterrado na capela-mor do mosteiro. Aliás, este Bandeirante, e sua esposa, ainda hoje estão lá enterrados. A doação das terras se deu no dia 17 de janeiro de 1.650.
Por volta de 1.700, mais precisamente em 1.717, os monges vieram para cá e desenvolveram uma fazenda que recebeu o nome de Fazenda São Caetano. Eles construíram uma capela e lá colocaram a imagem desse santo. Nas imediações funcionava uma olaria. Ali criavam animais, e tinham até uma pequena plantação. Os monges levavam tudo o que era ali produzido por meio de embarcação usando o rio Tamanduateí, até o centro de São Paulo, onde subiam por onde hoje existe a Ladeira Porto Geral a fim de ser consumido pelos internos que moravam no Mosteiro.
Um pequeno vilarejo
Um momento da narrativa que sempre despertava o interesse da minha seleta plateia, formada muitas vezes, também pelos grupos da Terceira Idade, era quando contava que desde 1.747 existia tanto a Fazenda de São Caetano, como um pequeno povoado, uma vilinha com o nome de São Caetano. E explicava que ainda estava falando do período do século XVIII, muito antes da chegada dos colonos italianos.
Consta que pelo censo efetuado no ano de 1.765 o pequeno vilarejo contava com 11 famílias, que somados chegavam a 37 membros. Completando o total de moradores, outros 23 escravos (sendo, 15 índios e 8 negros). Os índios pertenciam às tribos Paresí e Borôro, ambas oriundas da região do Mato Grosso.
Neste momento repetia a informação de que, já naquele tempo, tínhamos a vila de São Caetano, a vila de São Bernardo e a vila da Borda do Campo. Em 1.798 a fazenda dos beneditinos já fazia parte desta vila de S. Caetano.
Os beneditinos produziam e vendiam telhas, tijolos e louças. Cuidavam do gado e cultivavam a horta. Todavia, a fazenda deixou de existir no dia 5 de julho de 1.877 por ordem do Império que a desapropriou para instalar o Núcleo Colonial que abrigaria as famílias italianas que estavam chegando.
Vale lembrar que a fazenda, apesar de pertencer aos beneditinos funcionava com mão de obra escrava. Inicialmente por meio do trabalho feito pelos indígenas, e mais tarde tendo os negros como escravos. Acredita-se que muitos destes negros tenham sido enterrados no terreno onde hoje estão as ruínas das Indústrias Matarazzo.
Progresso chegou com o trem
Somente em 1.868 é retomada a campanha pelo desenvolvimento do povoado de São Caetano. E isto se deve a inauguração da Estrada de Ferro produzida pelos ingleses, a São Paulo – Railway Company. Cerca de dez anos depois, o Governo Imperial adquire as terras de São Caetano para instalar o famoso Núcleo Colonial, visando incentivar a imigração italiana, e com isso, minorar os efeitos da evasão da mão de obra agrícola.
No dia 29 de junho de 1.877, saem da Itália, com destino ao Brasil, algumas famílias de imigrantes embarcadas no porto de Gênova, pelo “vapor” Europa. O primeiro grupo de italianos, integrado por 28 famílias, chega a 28 de julho, ao Núcleo Colonial, que foi instalado com a presença do Dr. Sebastião José Pereira, Presidente da Província e do engenheiro Leopoldo José da Silva, da Comissão de Terras e Colonização.
Faziam parte da primeira leva de imigrantes, oriundos da Província de Treviso, na Itália, os seguintes chefes de família: Antonio Gallo, Antonio Martorelli, Antonio Garbelotto, Caetano Garbelotti, Celeste Pantallo, Domenico Bottan, Domenico Perin, Eliseo Leoni, Emílio Rossi, Francesco Bortolini, Francesco Fiorotti, Francesco de Martini, Felippe Roveri, Giácomo Dalcin, Giovanni Moretti, Giuseppe Braido, Giovanni Perucchi, Giovanni de Nardi, Giovanni Thomé, Giuseppe de Savi, Giuseppe Salla, Luigi D’Agostini, Modesto Castelotti, Natale Furlan, Pietro Pessotti, Paolo Martorelli, Pasquale Cavana e Thomaso Thomé.
Seis meses depois, chegava uma segunda leva de italianos, agora, oriundos da Província de Mântua, com os seguintes chefes de família: Luigi Baraldi, Francesco Coppini, Isacco Coppini, Francesco Carnevalle, Francesco Ferrari, Modello Dionisio, Genaro Luciani, Giovanni Vicentini, Francesco Modesto, Eugênio Modesto e Domenico Vicentini.
Depoimento importante foi concedido ao Jornal de São Caetano, em 25 de julho de 1948, por José Thomé, filho de Tomaso Thomé, integrante desse grupo de imigrantes. Ele assim narrou o feito: “Quando aqui chegamos, o trem parou diante do lugar onde hoje se instala o alojamento de conserva da estrada de ferro. Tudo era mato ao redor, havendo apenas uma “picada” que, da estação, conduzia até a igreja. Caminhamos por ela para encontrar, afinal, uns casebres à volta do templo. Tudo o que era São Caetano, ali estava, então”.
Muitas curiosidades
De julho a dezembro de 1.877, o engenheiro chefe da Colônia, Sr. Leopoldo da Silva, coadjuvado por Emílio Rossi, providenciou a instalação das referidas famílias, o envio de ferramentas agrícolas e as folhas de indenização aos imigrantes, pois cabia ao Governo Imperial cobrir essas despesas.
As condições da Colônia, contudo, não atendiam as esperanças dos recém-chegados, tendo alguns deles até mesmo manifestado o desejo de retirada, preferindo outros rincões no interior do estado, mas devido às olarias, São Caetano progride com rapidez, e em 1.886, já era um dos grandes centros produtores da província de São Paulo.
O Núcleo de São Caetano teve 93 lotes (rurais e urbanos) no período de 1.878 e 1.891. Os lotes foram entregues para setenta famílias italianas, quatro famílias brasileiras e uma alemã, a família de Hermany Juncker.
Pela Lei n° 86 de 16 de junho de 1.911, é autorizada pela Câmara Municipal de São Bernardo a construção do Cemitério em São Caetano.
Podia-se dizer que a morte tinha um significado de valor ainda maior do que as festas. Consta que praticamente, toda a cidade se reunia para participar do velório. Nos primeiros três meses da vinda dos italianos, ainda em 1.877, se contabilizou a morte de 18 pessoas.
A escola só chegou ao local no ano de 1.883. E era uma escola mista, ou seja, podiam estudar juntos, tanto os meninos como as meninas.
Pela Lei n° 32 de março de 1.883, cinco anos após a chegada dos colonos italianos, foram criados pelo Governo Provincial duas escolas públicas de primeiras letras no Núcleo Colonial de São Caetano. Nesse núcleo havia 251 colonos, sendo que 134 eram do sexo masculino, 117 do sexo feminino, dos quais eram solteiros os de 10 a 30 anos. Acusa o relatório de estatística de 1.877 que, 112 indivíduos eram analfabetos e 251 católicos, ou seja, todos.
Fora o folclore que cerca este “fato real”, é que, segundo as anotações de próprio punho de D. Pedro II, o imperador esteve por 60 minutos nesse núcleo colonial. Foi no dia 28 de setembro de 1.878, um sábado, no horário das 15h45 às 16h45.
A história político-administrativa de São Caetano acompanhou em parte seu desenvolvimento econômico. Em 1.901, seu território, que até então pertencia ao Município de São Paulo, foi anexado ao recém-criado Município de São Bernardo.
Em 1.905, São Caetano era elevado a Distrito Fiscal. A fixação das primeiras indústrias coincidiu com a sua elevação a Distrito de Paz, em 1.916.
Curiosamente, no ano de 1.934 os maiores donos de terras pertenciam a oito famílias, mas nenhuma tinha o sobrenome dos pioneiros italianos. Eram famílias que chegaram mais tarde.
João Domingos Perrella foi eleito em 1.920, vereador pelo Bairro de São Caetano para compor a Câmara de São Bernardo. É que naquele momento, o lugarejo pertencia a São Bernardo.
Em 1.924, o Arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, dava ao núcleo a sua primeira Paróquia e seu primeiro Vigário que foi o Padre José Tondin.
A vila cresce
A vila vai se transformando para em breve ser uma cidade. A indústria Pamplona foi a primeira fábrica instalada, vindo a seguir em 1.890, a fábrica de Formicida Paulista de Serafim Constantino. No ano de 1915 tem início as atividades da Fábrica Artefacto Metalúrgica Italiana, (hoje FAMI, que funcionava há 50 metros da Estação São Paulo Railway). A primeira sociedade de caráter social e filantrópico foi a Sociedade Beneficente “Principi di Napoli”, fundada em 1.891, e a segunda a União Operária de São Caetano.
Data de 1.928 a primeira campanha em prol da Autonomia da cidade, sendo nessa ocasião, frustrado o movimento. Quando Santo André substituiu São Bernardo como sede do Município, em 1.938, São Caetano passou a se constituir como Segunda Zona do Distrito, para em 1.944, ficar reduzida a Segundo Sub-Distrito de Santo André, enquanto São Bernardo constituía-se em município autônomo.
A indústria da cidade encontrou no núcleo de imigrantes italianos e seus descendentes a primeira fonte de mão de obra adequada às suas necessidades. Mais tarde, as Vilas Operárias que se formavam em torno das indústrias estabelecidas na área suburbana de São Caetano, atraíram os primeiros contingentes nordestinos.
Pela Lei n° 123 de 14 de agosto de 1.912, foi dada a concessão e privilégio à Mariano Pamplona e outros, do serviço de água e esgotos. Concedido ainda, o privilégio à Companhia de Melhoramentos de São Caetano para explorar por 30 anos os serviços de água e esgotos e do Sr. Luiz Martinelli o privilégio de explorar um matadouro por espaço de 20 anos.
Em 1.922 é inaugurado o Cinema Central, na Rua Perrella, n° 34, no Bairro da Fundação, com capacidade para 900 pessoas.
Em 1.924, no dia 31 de março, ocorre a elevação canônica da antiga Capela na Paróquia São Caetano, sob orientação dos Padres Estigmatinos.
Em 1.926, dia 1º de abril, foi instalada as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. Em 1.929, dia 1º de outubro, foi instada a General Motor do Brasil.
Em 1.928, dia 15 de janeiro, surge o São Caetano Jornal e é realizado um movimento pela Autonomia do Município, o qual, infelizmente, não chegou a bons termos.
A emancipação
Em 1.948, sob a égide da Sociedade Amigos de São Caetano e incentivado pelo Jornal de São Caetano foi realizado o Movimento Pró-Autonomia. Um abaixo assinado com 5.197 nomes de moradores, sendo todos maiores de 18 anos é entregue na Assembléia Legislativa, fato que culminou com o plebiscito no dia 24 de outubro, cuja manifestação popular deu resultado favorável.
Pela Lei n° 233, foi criado em dezembro de 1.948, o Município de São Caetano, acrescido do apêndice “do Sul”, para diferenciar de uma cidade que tem o mesmo nome, e que fica no estado de Pernambuco.
Nessa época São Caetano tinha uma população de 40.039 habitantes. Participaram no plebiscito 9.520 moradores. Destes, votaram 8.463 pelo SIM.
Em 1.949 é instalado o Município de São Caetano do Sul, cujo ato ocorreu no dia 1° de janeiro. No mês de março, depois de renhido pleito, foi eleito como primeiro Prefeito de São Caetano do Sul, o Dr. Ângelo Raphael Pellegrino. Nessa época, data, mês e ano, realizou-se também, a eleição da primeira Câmara de Vereadores local, sendo seu primeiro Presidente o Sr. Accácio Novaes. No dia 03 de abril tomaram posse, ambos os Poderes.
O Brasão de Armas foi projetado e executado por Salvador Thaumaturgo, em 1.949, durante a primeira administração municipal e instituído oficialmente, por meio da Lei n° 72 de 10 de março de 1.950.
No dia 28 de julho de 1.953, quando São Caetano do Sul comemorava o seu 76° aniversário de fundação, o então Prefeito Anacleto Campanella promulgou a Lei n° 346, instituindo a Bandeira do Município.
Bairros
O município é formado por quinze bairros. São Eles: 1- Fundação. 2- Centro. 3- Santo Antônio. 4- Santa Paula. 5- Barcelona. 6- Olímpico. 7- Oswaldo Cruz. 8- Cerâmica. 9- Boa Vista. 10- Santa Maria. 11- Jardim São Caetano. 12- Nova Gerte. 13- Mauá. 14- Prosperidade e 15- São José.