AtualidadesGeralHome

MP que cria sistema eletrônico de registros públicos traz insegurança jurídica

Especialistas alertam para o risco ao patrimônio do cidadão advindo da Medida Provisória 1085/21, que foi aprovada pelo Congresso Nacional

O Congresso Nacional aprovou na terça-feira (31/05) a Medida Provisória 1085/21, que tem por objetivo criar procedimentos para o registro de títulos em cartórios, além de normatizar o Sistema Eletrônico de Registros Públicos (Serp) que viabiliza que atos notariais e negócios jurídicos, inclusive títulos e certidões, sejam entregues em formato eletrônico e pela internet.

Prevista em lei de 2009, a ferramenta foi regulamentada no ano passado por uma medida provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro. Após ser votado na terça-feira (dia 31), no Senado, o texto voltou à Câmara dos Deputados na quarta-feira (dia 1º), por ter recebido emendas. Aprovado, vai agora à sanção presidencial.

O Serp deve ser implantado até 31 de janeiro de 2023 e ser capaz de fornecer informações, de maneira segura, sobre garantias de origem legal, convencional ou processual; contratos de arrendamento mercantil financeiro e cessões convencionais de crédito.

A MP permite o uso de uma assinatura eletrônica avançada, conforme previsto na Lei 14.063/20. Esse tipo de assinatura usa procedimentos de confirmação do usuário e da integridade de documentos em formato eletrônico diferentes da chave pública ICP-Brasil.

Para especialistas, porém, o uso de assinaturas eletrônicas avançadas pode, além de causar insegurança jurídica, abrir brechas para a ação de estelionatários e outros tipos de criminosos. Segundo o advogado Ricardo Campos, professor de direito na Goethe Universität Frankfurt am Main, em artigo publicado no site do Estadão, a MP 1.085/2021 contraria os Poderes Legislativo e Judiciário, que, em diversas outras situações, optaram por medidas opostas. “De acordo com a Lei 14.063/2020, é obrigatório o uso de assinatura eletrônica qualificada ‘nos atos de transferência e de registro de bens imóveis’ (art. 5º, §2º, IV); a LRP, por sua vez, determina que ‘[o] acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando forem realizados por meio da rede mundial de computadores (Internet) deverão ser assinados com uso de certificado digital, que atenderá os requisitos da ICP-Brasil’ (art. 17, parágrafo único); e, seguindo os parâmetros legais delineados, o Provimento 100/2020 do CNJ também exige o uso de assinatura qualificado no âmbito do e-Notariado”, diz o professor em artigo intitulado “Segurança jurídica e assinaturas digitais”.

 

“Há algo de arriscado na assinatura eletrônica avançada, como a inexistência de obrigatoriedade de processos claros e credenciamento de empresas certificadoras pelo Estado. Noutras palavras, qualquer empresa ou mesmo pessoa pode disponibilizar sistema de assinaturas eletrônicas avançadas”, diz Edmar Araujo, presidente executivo da Associação das Autoridades de Registro do Brasil (AARB). Para ele, é exatamente a ausência do estado brasileiro neste universo de assinaturas avançadas que põe em risco a celebração de negócios jurídicos complexos, como a transferência de veículos e a compra e venda de imóveis, muitas vezes os únicos patrimônios conquistados a duras penas pelo cidadão. “Os cartórios, que com a pretendida inovação talvez obtivessem simplificação dos processos, melhoria de produtividade de seus profissionais e maior conveniência para seus púbicos, parecem não estar confortáveis com a iniciativa”, completa.

Durante audiência pública na Câmara dos Deputados, em março, a presidente do Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil, Giselle Oliveira de Barros, disse que o tema deveria ter sido debatido através de um projeto de lei e não de uma Medida Provisória, passando por cima de todo o processo legislativo. “Como representante dos quase nove mil notários do Brasil, eu gostaria de chamar atenção para um único ponto que foi tratado nessa MP e que nos preocupa muito, em especial, seria o debate sobre a possibilidade da assinatura avançada nos termos a serem regulamentados pelo CNJ para a prática dos atos de transferência e/ou oneração de bens imóveis. Este assunto envolve a segurança jurídica de bens imóveis, bens de raízes, bens de grande valor, e muitas vezes, o único bem de valor que o cidadão comum tem durante toda a sua vida. Trata-se de um tema de grande importância e relevância ao interesse público, o Estado, que deve sim garantir a estabilidade destas relações.”

Segundo explicou a presidente do CNB, a Lei 14.063/20, também conhecida como lei das assinaturas eletrônicas, foi sancionada em 2020 quando consagrou que a assinatura eletrônica qualificada deve ser a única para celebração de negócios e transferência de imóveis em meios eletrônicos tendo em vista o modelo usado no mundo e, em especial, na Comunidade Europeia, bem como a garantia constitucional da propriedade.

Segundo a mandatária, essa assinatura “tem uma hierarquia estatal, ou seja, a hierarquia desta assinatura é baseada numa autarquia estatal, federal, o ITI, que credencia e audita todas as autoridades certificadoras desta hierarquia, desta cadeia, ou seja, temos a presença do Estado garantidor através da ICP-Brasil. Mas a MP, menos de 2 anos depois, infelizmente, reedita o tema”, completou.

Mostrar Mais

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo