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Fugindo da ilusão: Saneamento básico e essencial

Adriano Candido Stringhini

 

 

Desafios ambientais e sanitários potencializados em anos recentes com a ocorrência de eventos climáticos extremos e a deflagração da pandemia da Covid-19 reacenderam os holofotes sobre a essencialidade dos serviços de abastecimento e saneamento básico para o enfrentamento de um cenário de crescente complexidade. Se para a solução das questões antes bastavam algumas operações algébricas, agora em um mundo ainda mais complexo cálculos derivados e integrais são a premissa básica para traçarmos as primeiras linhas do gráfico.

 

É justamente esta visão integral e holística que o momento exige. Em recente participação no SXSW, Austin, Texas, onde falamos da importância dos rios para as cidades, buscamos tratar desta “re- percepção” do cenário. Como ensinou Einstein a maior ilusão do mundo é a noção de separação. É esta verdade é ainda mais absoluta para o saneamento básico e essencial.

 

Negligenciado ao longo de nossa história com a inexistência de políticas efetivas para a expansão do atendimento, podemos considerar que o saneamento teve apenas três grandes marcos nas cinco últimas décadas. O primeiro deles com o Plano Nacional de Saneamento (Planasa), na década de 70, com a estruturação planejada dos serviços e a concepção das companhias estaduais a partir da transferência de recursos federais.

 

Com a interrupção do Planasa em 1986, o tema voltou a ter sua importância reconhecida mais de duas décadas depois com a publicação da Lei 11.445, de 2007. Foram estabelecidos regramentos para regulação e fiscalização dos serviços, maior segurança jurídica aos contratos e definidas diretrizes mais claras para a universalização do atendimento.

 

Atualmente vivenciamos o terceiro grande momento para o setor com a Lei 14.026/2020, que trouxe aprimoramentos importantes sobre a lei de 2007, a exemplo da necessidade contratual do estabelecimento de metas e o fortalecimento da regulação com a concentração de atribuições em um ente nacional, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). A agência passou a ser responsável por determinar as diretrizes de eficiência e qualidade dos serviços para acompanhamento de despenho das concessionárias pelos reguladores locais.

 

 

Desta forma,  um destaque que gostaria de trazer a lume foi a possibilidade de atendimento a áreas irregulares, até então não esquecidas muitas vezes por uma interpretação de que havia um impedimento legal, outras vezes por que era legal esquecer as áreas com base em interesses egoísticos e tolos.

 

Tolos porque no saneamento não existe a ideia de separação. Repita-se: A verdade de Einstein é ainda mais verdade. Os rios e córregos fluem, entre bairros em uma cidade, entre cidades e entre nações. A ideia de rios como barreiras, fronteiras não merece mais prosperar. Precisamos desta “re-percepção”, desta reconexão. Rios são elementos de conexão, de integração, de paz e nunca de guerra.  E é com este dogma que devemos pensar o saneamento. Uma inclusão radical. Saneamento para todos! Enquanto houver uma única criança pisando em esgotos nas favelas, uma única casa fora dos sistemas de esgoto estaremos transformando nossos rios (RIVUS do latim) em fonte de VIRUS. Um anagrama que nos explica muito sobre esta realidade.

 

 

Embora tardio, o aperfeiçoamento regulatório soube capturar as necessidades sociais e ambientais de nossa época e vem reconhecer o saneamento como um dos grandes vetores do desenvolvimento e da transformação social.

 

A expansão da oferta de serviços que proporcionam mais saúde, oportunidades e dignidade para se viver vem fazer frente à uma realidade marcada pelo atraso. Em pleno século XXI, aproximadamente 35 milhões de brasileiros ainda não têm suas casas abastecidas formalmente e quase a metade da população ainda não tem coleta de esgotos, segundo levantamento do Instituto Trata Brasil com base em dados do Ministério do Desenvolvimento Regional.

 

 

Em um cenário como esse, o resultado não pode ser outro senão o aumento das filas nos postos de saúde em razão das doenças de transmissão hídrica, o baixo desempenho na educação das crianças e a renúncia ao desenvolvimento. Como é notório, além da qualidade de vida, os serviços de saneamento impactam diretamente na valorização dos setores imobiliário e turístico.

 

A melhora da qualidade de vida e o cuidado ambiental é outro benefício entregue a partir da expansão da infraestrutura de coleta e tratamento de esgotos. A atuação em todo o ciclo da água, do tratamento e fornecimento da água de qualidade para o consumo, passando pela coleta do e tratamento deste efluente para devolvê-lo em condições adequadas ao meio ambiente traz em si o conceito da circularidade e da sustentabilidade do consumo de recursos naturais. Estudos recentes das Universidades de Nova York e Hong Kong comprovam que a despoluição de rios urbanos é um dos principais fatores para eliminação de gases de efeitos estufa. Assim, se não bastassem todos os benefícios a nível local, o saneamento contribui também para o planeta e é solidário com as gerações futuras.  O projeto de despoluição do Rio Pinheiros que a Sabesp executa sob a coordenação da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do governo do Estado de São Paulo, em parceria com outras entidades, é um bom exemplo desta visão integral e holística, a serviços daqueles que mais precisam e de todos nós na verdade.

 

Ainda nesse contexto, o saneamento possibilita a adoção de outras iniciativas baseadas na economia circular, a exemplo daquelas adotadas pela Sabesp para a transformação do gás biometano em biocombustível veicular, do lodo em fertilizante agrícola e tijolos e do esgoto em água de reuso para fins urbanos e industriais.  O esgoto tem se provado ser verdadeiro diamante que se bem lapidado pode brilhar e iluminar muitas realidades.

 

Em um ambiente suscetível a mudanças climáticas e à ocorrência de eventos extremos, é também importante considerar o saneamento como um sistema interligado seja na terra, na água como no ar. A teoria dos rios voadores enunciada pelo Professor Carlos Nobre nos ensina que cuidar da Amazônia é fundamental para que o regime de chuvas na região Sudeste do Brasil seja mais regular e abundante. E está questão é mais que central em um momento que a Suprema Corte brasileira se debruça sobre esta temática. a Preservação da Amazônia é fundamental para o Brasil e para o Planeta em termos de frear as alarmantes mudanças climáticas que se aproximam, conforme recente relatório do IPCC , que demonstra o risco para todos os seres vivos.

 

É um momento importante e único. Tempo de soluções. Tempo de olhar para dentro e para cima, como nos lembra recente filme. Tempo em que poderemos mudar nossos velhos hábitos e paradigmas em prol de um propósito nobre com plenitude e prosperidade, abundância e sustentabilidade. Esta realidade somente se fará presente com a preservação do meio ambiente e, no caso específico, da Amazônia. Urge a conservação da floresta em pé e das águas da Amazônia com o respeito aos povos tradicionais de ontem e de hoje.  Imaginar um futuro assim demanda mudança de ações no tempo presente. E o saneamento faz parte deste enredo.

 

A reflexão sobre a importância desses e uma série de outros temas de grande potencial para nossa retomada econômica e social estarão em pauta no evento “Os Desafios do Desenvolvimento – o Futuro da Regulação Estatal”, a ser realizado de 18 a 21 de abril pelo Fórum de Integração Brasil-Europa – FIBE.

 

Será uma oportunidade para difusão de conhecimento, troca de experiências e qualificada reflexão conceitual para a construção caminhos direcionados aos avanços necessários em meio às transformações impostas pela revolução digital, a pandemia da Covid-19 e agora a guerra.

 

Em março de 2022 em Dakar, Senegal na 9ª edição do Fórum Mundial da Água, junto com o Professor Benedito Braga e Dante Ragazzi Pauli da Sabesp, tivemos a oportunidade de debater e aprender sobre a Segurança da Água para a Paz e o Desenvolvimento.  Em março de 2020 o Papa Francisco protagonizou em uma praça de São Pedro vazia umas das mais marcantes celebrações de nosso tempo. Nos lembrou que todos vivemos em um mesmo barco e que não podemos deixar ninguém para trás. Que nestes tempos de quaresma onde lembramos daquele que trouxe luz e esperança para o mundo, possamos refletir sobre as verdades básicas dos nossos tempos. Tenhamos esperança e fé e comecemos pelo básico: o saneamento, a paz e outro como um irmão, afinal a separação é uma grande ilusão…

 

Adriano Candido Stringhini, Diretor de Gestão Corporativa Sabesp, Governador Conselho Mundial da Água

 

Aloisio Hildebrand de Abreu, Assessor da Presidência da Sabesp e coordenador do relatório de sustentabilidade da Companhia.

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