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Carta Aberta a Um Jornalista

JOSÉ ROBERTO E. XAVIER (DR. XAVIER)

 

Caro Pedroso:

Senti muito sua partida precoce, tanto pelos seus familiares quanto pelas nossas conversas esporádicas sobre o mundo e, principalmente, sobre a política do pedaço. Era quando seu vasto conhecimento das inter-relações humanas locais elucidava fatos ignorados por mim, explicando cenários que, sem os bastidores, não fariam sentido. Tudo bem, informação é o alimento cotidiano do jornalista, nutrição que pode ser usada de várias maneiras, republicanas ou não. Daí adveio minha admiração pela sua capacidade de, em considerando a necessidade de sustentação econômico-financeira de um jornal, agradar a gregos e troianos, à OTAN e ao pacto de Varsóvia, simultaneamente, no micro espaço geopolítico onde se incrusta a “cereja do bolo” do ABCD. “Jornalismo não é uber, que você paga e ele o conduz para onde queira”. Ter faro é raro; mais raro ainda é ter caráter para administrá-lo.

 

Que o digam as canetas e gargantas de aluguel. A sua maestria inata em manter estável o equilíbrio sobrevivência/ética tinha com base a lhaneza no seu trato com as pessoas, além do conhecimento dos meandros da nossa sociedade; caminho limpo por onde se andava sem atolar os pés na lama. Não sou muito afeito a comendas, títulos ou medalhas de duvidoso vínculo meritório e fundamento populista, mas, no seu caso, houve sempre o respaldo da imensa maioria dos que o conheciam. “Justo e perfeito”; portanto, lamento mais uma voz de coerência profissional que se cala em tempos de pouca lucidez. Amantes deste pedaço de chão, sentíamos esse país, como tantos outros ditos em desenvolvimento ou do terceiro mundo, vítima do estelionato da pseudoglobalização: ilusionista, concentradora de renda, nunca distributiva nem contributiva para mitigar diferenças sociais ou transferir conhecimentos.

 

Nesse contexto, subestima-se o risco iminente de solapamento das bases de sustentação dos investimentos que mantêm o status quo da arrecadação do município, precarizando empregos e aumentando o desemprego. Oligarquias, desde a emancipação da cidade, elegem prefeitos e grande parte do legislativo pela força da máquina administrativa potencializada por um capitalismo patrimonialista atávico. A elevada renda per capita, um dos pilares do seu IDH, propicia vertentes éticas utilitaristas egocêntricas e, consequentemente, isolacionistas. Se não fixarmos novos horizontes, Comendador, a fonte seca e a riqueza vira pó.

 

Como nos encaixarmos na nova realidade mundial, encontrar novas aptidões para manter a qualidade de vida conquistada? Por melhor que seja o timoneiro navega-se mais seguro com tripulações (parceiros) competentes e, melhor ainda, se formarmos uma esquadra coesa que recebe o nome de Consórcio. Prevenir é investir prioritariamente no capital humano através do aprimoramento tecnológico, berços para acolher startups geradas por mentes privilegiadas, é saneamento básico, é remediar o caos na Educação, é apoio à inserção da mulher na política, por exemplo, ocupando espaço vogal no Consórcio Intermunicipal. (Como se justifica representar mais de 50% do eleitorado e ocupar 15% dos cargos eletivos?). Força feminina efetiva nos projetos sociais e governamentais.

 

O grande diferencial de evolução no terceiro milênio será produto da literacia na comunicação eletrônica digital, no domínio da ciência ditando novos rumos e comportamentos, gerando castas de convivência mais humanizadas. Recordem Aldous Huxley (“Admirável Mundo Novo”) e George Orwell (“1984”), como alerta. Pasmem-se agora com o Metaverso, realidade virtual que nos coloca para interagir com a lógica do absurdo.

 

Se não temos espaço para sediar grandes indústrias, acolhamos premiar “headhunters”, que prescindem de espaço físico, arregimentando mecenas e empreendedores com visão futurista das nossas vocações. São perspectivas de desenvolvimento a longo prazo que extrapolam mandatos de 4 anos, exigindo renúncias de protagonismos absolutistas dos donos do poder, em contraponto ao imediatismo de obras eleitoreiras oportunistas, ações típicas de coronéis urbanos autocratas.

 

Pensemos, caro Pedroso, no desuso progressivo e finitude dos combustíveis fósseis poluidores, no decadente (e migrante) comércio presencial, na escassez de ofertas de habitação pela exiguidade territorial e custos (e inevitável crescimento de favelas), na precarização das relações trabalhistas etc., robustos sinais de alerta de novo ciclo humanitário, principalmente nos centros com alta densidade populacional.

 

Pode-se dizer que falamos obviedades, Comendador, mas comentar o óbvio faz-se necessário em nome da transparência e obrigatório para os que têm capacidade de discernir e opinar. Fazer política de Estado implica grandeza moral de colocar funções públicas acima de egolatrias, acima dos abusos das desigualdades financeiras e das conveniências de sobrenomes (salvo por reconhecidas competências individuais, sem preconceitos ou idiossincrasias). O vale tudo pelo poder é apanágio das plutocracias, assim como acreditar em utopias o é dos ingênuos e desinformados desta nação.

 

A democracia é uma causa inacabada, donzela de luxo que exige cuidados permanentes, artigo tanto mais caro quanto maior a renda dos países que se dizem fieis a ela e constantemente a traem pela corrupção, pelas diferentes maneiras de exploração de vulneráveis, frequentemente em nome de Deus. Foi muito bom conversar com você, Comendador, sobretudo sabendo que ambos trazemos no peito o amor por esta cidade, onde construímos com trabalho honesto, nos multiplicamos em proles conscientes e desfrutamos de amizades sinceras. Até um dia, Pedroso, quem sabe no Oriente Eterno.

 

 

JOSÉ ROBERTO E. XAVIER (DR. XAVIER)

ACADEMIA DE LETRAS DA GRANDE SÃO PAULO.

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